Aquecimento global e degradação ambiental podem piorar ondas de calor

Reportagem: Lucíola Correa e Marcos Viesi

As ondas de calor, períodos prolongados de temperaturas muito acima do normal em períodos fora da época habitual, tendem a ficar mais longas e mais fortes nos próximos anos. Esta previsão vem de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Através de um estudo de cenários, baseado em mapas e projeções do comportamento do clima nos oceanos, eles apontaram, os chamados “bloqueios atmosféricos”, que se formam por reflexo do calor e impedem a formação de frentes frias, devem ficar até 10 vezes mais potentes até o ano de 2071, provocando aumento das temperaturas médias.

Foto: Jose Roberto de Lima Kililla from Pixabay

Esta previsão confirma o que já vinha sendo alertado há muito tempo pela comunidade científica: as ondas de calor cada vez mais frequentes e mais fortes em praticamente todas as regiões do planeta, inclusive no Brasil. Segundo a professora e pesquisadora Cláudia Moura de Melo, do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Saúde (PBS), explica que isso acontece em razão das mudanças climáticas globais, dos sistemas de alta pressão estacionários (anticiclones) que bloqueiam a circulação de ar fresco, e de fenômenos naturais como o El Niño e o La Niña, que devido ao aquecimento dos oceanos, podem alterar os padrões climáticos.

Além disso, outro fator agravante está nas das “ilhas de calor urbano” formadas em cidades com pouca cobertura vegetal e muito asfalto. “Nas cidades, principalmente com a supressão de áreas verdes e da arborização urbana, da cobertura asfáltica, poluição do ar e do trânsito automotivo, são criadas as ilhas de calor, devido à concentração de altas temperaturas incidentais de origem humana e não dispersadas pelo sombreamento. Elas causam desconforto e afetam os serviços e infraestrutura pelo uso excessivo de energia elétrica para refrigeração, levando a colapsos”, diz Cláudia.

A professora acrescenta que tais fenômenos são impulsionados principalmente pela emissão de gases de efeito estufa (como gás carbônico e metano) provenientes da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e atividades industriais. “O efeito estufa reduz a velocidade das correntes de ar em altas altitudes, criando sistemas de alta pressão, que podem reter o calor por semanas, alterando assim os padrões climáticos de várias regiões do planeta”, detalha.

Outro exemplo citado por Cláudia foi o das enchentes e tempestades de maio de 2024 no estado do Rio Grande do Sul, que deixaram um total de 184 mortes confirmadas e quase 4,5 milhões de pessoas afetadas, entre feridos, desabrigados e desalojados. Ela explica que o problema foi generalizado porque grande parte da geografia da região de confluência das águas (principalmente a capital Porto Alegre) foi alterada ao longo dos últimos anos, sem a previsibilidade ou a consideração da origem natural do terreno. “Com a presença de um evento extremo (excesso de calor e de chuvas), as consequências foram superlativas e praticamente toda a população do estado foi afetada”, disse ela.

Desigualdades

A piora das condições climáticas pode ser agravada pela desigualdade social e ambiental das pessoas que vivem nas regiões afetadas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) apontam que cerca de 8,2 milhões de pessoas vivem em áreas de risco para enxurradas, alagamentos e deslizamentos. E 26,1% desta população vivem em áreas sem acesso a saneamento básico.

“De maneira geral, os mais afetados pelas alterações climáticas são as populações em estado de vulnerabilidade e racismo ambiental, pois as áreas destinadas às essas pessoas são menos favorecidas de infraestrutura básica e muitas vezes ausentes de qualquer ação prioritária do poder público”, pontua Cláudia, alertando que um dos impactos mais graves do calor extremo recaem mais sobre a saúde das pessoas que moram nas regiões afetadas. Atualmente, as ondas de calor são consideradas a principal causa de mortes provocadas pelo clima, especialmente em idosos acima de 65 anos e em crianças abaixo de cinco anos.

De acordo com Cláudia Melo, a chamada “ecoansiedade” ou “ansiedade climática” é definida pela Associação Americana de Psicologia como “um sentimento generalizado de angústia e preocupação com as consequências das mudanças climáticas, pois trazem uma sensação de desamparo, desesperança e tristeza às pessoas afetadas pelos eventos climáticos extremos”. Cerca de 25% a 50% das pessoas expostas a um desastre climático têm risco de desenvolver problemas de saúde mental.

Para o enfrentamento destes fenômenos climáticos, sobretudo das ondas de calor, os especialistas vêm apelando pela criação de mais áreas verdes nos bairros e nas cidades, além de programas mais intensos de arborização de ruas e praças. Para a professora do PBS, a construção de sistemas de espaços verdes provou ser um meio eficaz de mitigar o impacto das ondas de calor, desacelerar o efeito de ilhas de calor urbanas e regular a saúde mental.

 

Fonte: Agência Fato Relevante

 

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